Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos.)
Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar.
Miguel Torga, Antologia Poética, 5ªed.,Lisbosa, Dom Quixote, 1999
Miguel Torga é o pseudónimo literário do médico Adolfo Correia da Rocha, nascido em 12 de Agosto de 1907 em S. Martinho de Anta, concelho de Sabrosa, em pleno Douro Vinhateiro. Faleceu em 17 de Janeiro de 1995 em Coimbra e é hoje considerado um dos mais conhecidos autores portugueses do século XX. Várias vezes premiado, nacional e internacionalmente, foram-lhe atribuídos, entre outros, o prémio Diário de Notícias (1969), o Prémio Internacional de Poesia (1977), o prémio Montaigne (1981), o prémio Camões (1989), o Prémio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores (1992) e o Prémio da Crítica, consagrando a sua obra (1993).